Jean Wyllys: "O Brasil está na contramão do planeta"

Após ser eleito pela 3.ª vez em quatro anos melhor deputado, principal rosto no Brasil dos direitos LGBT diz ao DN por que o Congresso é conservador.
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Como avalia ter sido eleito pela 3.ª vez nos últimos quatro anos como o melhor deputado do Brasil?

Vejo como um recado político de que, ainda que o conservadorismo venha ganhando cada vez mais força no país, há políticos progressistas que representam uma grande parte da população e que têm o seu trabalho reconhecido. O público que vota no prémio é composto por pessoas que acompanham o dia-a-dia da política e jornalistas que cobrem diariamente o Congresso. As urnas, nas eleições, ficam desequilibradas pelo peso do poderio financeiro das campanhas políticas. Eu faço campanha com pouquíssimos recursos, arrecadados através de pequenas doações de eleitores e militantes, contra candidatos que gastam milhões pagos pelas grandes empresas. Em prémios como o Congresso em Foco, o poder da "grana" não faz essa distorção e os candidatos milionários não têm hipótese.

Qual a sua opinião sobre o desempenho do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha?

Eduardo Cunha é o retrato de como a pauta conservadora, fundamentalista cristã, aliada ao pesado financiamento das campanhas políticas, podem ser danosos para o Estado democrático. Cunha já é conhecido pelo envolvimento em esquemas de corrupção há duas décadas e ainda assim conquistou votos entre a comunidade evangélica com um discurso que nega a dignidade da população LGBT, e também dos praticantes das religiões de matriz africana, parte indissociável da cultura brasileira. Recebeu de seus patrocinadores tanto dinheiro que só as doações oficiais totalizam quase sete milhões de reais [1,75 milhões de euros], mais de 30 reais [7,5 euros] por voto recebido, enquanto a minha campanha ficou na casa dos centavos.

Teme que o Brasil se torne mais conservador pela ação dele?

Cunha trouxe para o centro da política a pauta conservadora que defendeu entre os eleitores e também a pauta dos patrocinadores. Providenciou o perdão milionário das multas dos planos de saúde [Cunha recebeu dinheiro de uma destas operadoras], forçou a aprovação da proposta que reduz a maioridade penal para 16 anos, um estatuto que tenta impedir o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares - que acredito não será aprovado, mas se fosse, prejudicaria outras famílias -, além de impor à presidente [Dilma Rousseff] derrotas em troca de mais cargos e privilégios.

Faz sentido, como Cunha propõe, criar o Dia do Orgulho Hetero e criminalizar a heterofobia ou é propaganda homofóbica disfarçada?

Se o Congresso criminalizar a heterofobia, devia proibir as viagens a Nárnia, unicórnios e a fada dos dentes, entre outras coisas que não existem. Claro que não passa de propaganda homofóbica, e não é disfarçada, é explícita. Ninguém morreu ou sofreu discriminação por ser heterossexual, os deputados que apoiam o projeto ignoram crimes de ódio contra a comunidade LGBT (no Brasil, há mais de 300 assassínios por ano!). É ridículo.

É duro defender causas LGBT no Brasil?

O Brasil vem na contramão do planeta, tornando-se um país mais conservador - e hipócrita - com o passar dos anos. Apesar de a Constituição não impor a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo e determinar que não possa haver qualquer hipótese de discriminação jurídica, a nossa classe política omitiu-se nesta discussão como forma de protelar os direitos LGBT. Quando assumi o primeiro mandato, havia mais de 70 direitos negados por dependerem do casamento ou porque as uniões não eram reconhecidas. Por iniciativa judicial, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecido e conseguimos estender este direito a todo o país. Os cartórios agora são obrigados a celebrar o casamento de casais do mesmo sexo da mesma forma que são obrigados a celebrar o casamento entre homens e mulheres.

A sua participação no Big Brother Brasil vem sempre à baila quando o querem atacar?

Muitos tentam constranger-me, como se eu não tivesse uma história antes do programa. Eu já era jornalista com mestrado em Letras e tinha livros publicados e uma carreira bem-sucedida. Curiosamente, no currículo de boa parte destes parlamentares só há escândalos de improbidade administrativa, corrupção ativa, entre muitos outros. Não tenho qualquer vergonha de ter sido um Big Brother; já eles, deviam ter vergonha do próprio passado.

O PSOL cogita apresentar candidato em 2018? E dada a sua popularidade, estaria disponível?

A minha responsabilidade é cumprir com os 145 mil cidadãos do Rio de Janeiro que me elegeram. Mais à frente, não sei: a vida é um mistério e quem sabe onde me vai levar.

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